sexta-feira, 23 de maio de 2008

AMOR DE PAI


Lembro-me bem de quando saí da loja, ainda bastante felpudo, macio e com aquele cheirozinho inebriante de novo.
A mulher que me comprou era linda, elegante e cheia de charme. Eu considerar-me-ia um roupão realizado se o meu destino fosse acompanhar os rituais de banho daquela jovem senhora. Porém, logo me dei conta de que o meu tamanho não condizia com o dela e, os meus motivos eram assaz infantis para entremear aquilo que eu imaginava ser, não uma simples operação de limpeza corporal e sim, um encantador espetáculo para mente, corpo e espírito. A atendente da loja embrulhou-me para presente em um belo pacote recoberto por fitas e laços coloridos. Minha ansiedade crescia paralelamente à curiosidade para conhecer o motivo da minha compra. Ao entrar em casa, um sobrado bem decorado e bastante aconchegante, ela posicionou-me, ainda dentro do embrulho, em uma poltrona de chamois azul. Poucos minutos depois, fui repentinamente surpreendido pelo desatar das fitas e o rasgar pungente do papel. Diante desse cenário liricamente familiar, conheci Pedrinho: um bêbe de olhos muito azuis, bochechas rosadas e formas arredondadas cujo cargo de companheiro e protetor havia-me sido destinado.
Daquele dia em diante, não houve banho que eu não estivesse presente. Seu corpinho delicado e diminuto enroscava-se em mim após longas horas de diversão na banheira. Pendurado no cabide, atrás da porta, eu assistia às guerras com os patinhos de borracha, à descoberta dos dedinhos submersos nas ondas de espuma, às deliciosas gargalhadas que preenchiam o ambiente com alegria e ternura. Eu não conseguia conter a emoção, todas as vezes que, exausto e com frio, ele aninhava-se em meu algodão, suave, como se aquele fosse o lugar mais seguro do mundo.
O tempo passou e o meu menino não era mais um bêbe indefeso precisando da proteção desse velho roupão. Agora ele era um homenzinho. Seus patinhos foram substituídos por carrinhos e o meu lugar foi tomado por alguma toalha com motivos de um super-herói qualquer. Eu já não sou mais tão macio e, ao contrário do que acontece com os bêbes, eu não cresci junto com Pedrinho, mas envelheci. Aos poucos, fui desgastando-me. Meus bordados descosturaram-se e o meu cinto foi perdido em alguma tarde de verão na piscina. Parece que tudo começou a desintegrar-se, assim como os sentidos e impulsos que um dia guiaram Pedrinho ao meu encontro. Paulatinamente, ele foi deixando de requerer a minha presença nas horas do banho, de dividir comigo as manhãs na praia ou as tardes no clube. Já não era mais a mim que ele levava à mesa na hora das refeições depois daquele banho gostoso e, nos momentos de preguiça no sofá, não era mais eu que assistia à tevê entrelaçado em seu corpinho rechonchudo, fazendo-lhe carinho com as felpas do meu algodão. Por um tempo, tornei-me um enfeite atrás da porta do banheiro, depois fui morar dentro de uma gaveta em seu guarda-roupa, mas o que tenho percebido é que fui morrendo para o meu Pedrinho.
Apesar de toda saudade, não o culpo por isso. Esse é o processo natural da vida. Sinto-me grato pelos momentos de cumplicidade, pelas alegrias e até pelas tantas lágrimas que pude recolher e enxugar. Sinto-me recompensado por ter tido a chance de protegê-lo e de contribuir para que ele tivesse uma infância feliz. Morri por ele, para o seu bem, como só um pai, de verdade, é capaz de fazer pelo seu filho.